sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A GRAÇA "DOENTE"

Gostaria de fazer uma releitura da história da "mulher adúltera" registrada em João 8. Será uma leitura contemporânea do ponto como eu a vejo se repetindo hoje muitas e muitas vezes.

O século é XXI, e casos semelhantes a este  são mais comuns do que deveriam ser. De tão comuns que são, tornaram-se uma espécie de “imoralidade virtuosa”. Significa que a moral  moderna por estar tão acostumada a isso considera natural o que já foi considerado imoral como também cria novas “moralidades”. Esse é o ambiente que vivo: relativo e em transformação. Acontece também que vivo numa ambiência religiosa organizada e institucionalizada chamada “evangélica”, onde a moral exerce um forte papel predominante, e, para onde essa cena e conteúdo também foram arrastados. Sim, posso ver a cena se repetindo milhares de vezes na história evangélica até o dia de hoje. No entanto, na medida em que os mesmos acontecimentos vão ficando mais longe da cena original, no meio evangélico, eles se modificam e vão assumindo formas e proporções bem diferentes. 


É assim como eu os vejo:

Suponha comigo – o que não é um exercício difícil – alguém sendo surpreendido em adultério. Os “nossos religiosos”, que tomam ciência do ocorrido, trazem a questão até Jesus que está presente – ninguém deles duvida que Ele esteja presente em Espírito – é uma preposição. Isso é feito por meio de uma “assembléia” especialmente organizada para “examinar o caso” de acordo com a “Lei”, que é a Palavra – quando pouco, o Manual da instituição – conhecida e revelada conforme a Segunda, ou melhor, A Nova Aliança. Todos os examinadores sabem de antemão a atitude de Jesus: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedras.” Faça uma pausa. Tente dar continuidade à cena conforme você assiste a espiritualidade evangélica do nosso tempo – imagino que isso também não seja difícil.

Isso eu também posso ver: imagem é basicamente a mesma, fora as “sutis” modificações sofridas desde a cena primária. Vejo que as pessoas continuam ali. Já ouviram o que Jesus teria a dizer sobre o caso. A “sutil” diferença? Elas continuam com as pedras nas mãos e as seguram firmes – talvez um ou outro, as deixem caírem e, abandone o local calado (o que equivale a uma confissão pública rara entre nós). Também vejo no meio, não apenas o acusado a sós com Jesus – com Quem deveria resolver o “problema”. Vejo o acusado, vejo Jesus e vejo os “advogados” do Senhor. Sei que também posso ouvir a pergunta do Mestre ao adúltero – Ele já a fizera àquela mulher: “’Amigo’, onde estão àqueles teus acusadores? Ao que o ouço responder hoje: “O Senhor não os vê? Estão todos aqui em torno de nós. Eles estão nas igrejas, nos bancos, nos corredores, nos púlpitos, nas reuniões de comunhão, nas ‘células’, nos pequenos grupos, nas ‘Campanhas de Libertação’, nos ‘Congressos de Fogo’, nas vigílias de oração, nas assembléias extraordinárias, nas reuniões de departamentos, nas reuniões de senhoras, nas visitas aos lares, nas conversas ‘abençoadas’ de fim de culto. Enfim Senhor; eu os vejo em todos os cantos; os vejo nos lugares em que o Senhor ‘está’ e nos lugares em que eu mesmo não estou.”

Um vez ser esta a constatação que se faz, afirmo que existe uma “doença” crônica da qual aqueles que perderam de vista a imagem do encontro original de Jesus com a adúltera e os fariseus, devem buscar cura a tempo de que alguns ainda vejam o cristianismo como fora naqueles dias: original, limpo e lindo.

Sendo como é, nosso cristianismo carece da cura daquilo que chamo de “graça" que desgraça – qualquer um poderia chamar assim ou com bem lhe parece mais preciso. Ora, você precisa saber que “a graça que desgraça” de que eu falo, não tem nada a ver com a Graça de Deus que salva e produz vida baseada exclusivamente no mérito de Cristo. A “graça” que desgraça é fruto da particularidade com que a interpretamos e o resultado da tendência pessoal com que a aplicamos conforme nossas conveniências particularmente proveitosas. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que essa graça não considera as conseqüências da liberdade que ela nos oferece para vivermos.

“graça” que desgraça, é aquela que ensinou pra gente que para Deus não há “pecadinho” e “pecadão” – o que acho uma tremenda bobagem. Tá bom: sou levado pelas Escrituras a crer de todo o meu coração que Deus não faça essa medida mesmo e, que Ele demonstra isso ao nivelar todos os pecados e pecadores sob mesma categoria ao colocarem todos igualmente debaixo do pedado e, quando ao pagar por eles um único e mesmo – sem mencionar definitivo – preço a fim de desfazê-los. Por essa razão Ele diz para todos, inclusive para adúlteros e outras categorias de pecadores: “Vai em paz ‘porque o pecado está desfeito’” – talvez você leve algum tempo para pegar essa idéia e não a perceba de primeira mão, podendo ficar sem entender alguma coisa; mais eu prometo que em postagens a frente, falarei mais sobre isso. No entanto a única coisa que se possa dizer sobre essa afirmação, é que ela caiba para Deus e para mais ninguém. Sim! Há pecadão e pecadinhos como efeito social; quando eu sou levado pelas Escrituras a pensar nas conseqüências sociais que cada pecado traz. Essa foi a razão de Jesus ter dito à mulher: “Vá e não peques mais”. Ora, caso isso viesse a acontecer novamente, ela estaria sujeita às conseqüências do estatus quo, do stabelechiment social. Em outras palavras: poderia não haver em uma próxima ocasião quem a livrasse da morte por apedrejamento como rezava a norma virgente e natural do status social farisaico. E isso, mesmo ela alcançado perdão pré-estabelecido por Jesus para a sua salvação. Portanto, a graça que desgraça é sempre aquela em que o pecado tem o peso de destroçar a si bem como o outro. Uma coisa é você odiar seu irmão onde Jesus afirmou não haver diferença como o homicídio propriamente dito. Do ponto de vista Divino, dá na mesma. Outra coisa é você sair hoje na rua tirar a vida de alguém que você odeie. Consegue enxergar a claríssima diferença de conseqüência social entre odiar e cometer homicídio. Ainda não? Meu amigo, você vai preso por se tornar um homicida e não porque odiou o sujeito. Isso, quem sabe, também lhe dê indícios da diferença entre salvação e compromisso ético social que coloca o bem estar pessoal e o bem estar do outro em primeiro plano como fruto do perdão recebido e que rege a conduta do salvo. A gente costuma chamar isso de santidade.

Além disso, nosso cristianismo necessita de remédio também para outra doença de que padecemos: a desgraça que carece urgentemente da Graça. Aqui há um enorme contra senso: os filhos da Graça são incapazes de desmanchar as desgraças que graça em seu ambiente e no mundo, deixando de aplicar a Graça da qual deveriam transbordar. Isso também é um distúrbio que se pode encontrar na igreja evangélica como indivíduo vivendo em comunidade. Isso decorre das incertezas desses indivíduos quanto à resposta certa em torno da pergunta que lhes fiz: “O que Jesus teria dito à mulher adúltera em caso de reincidência?”. Com isso, estou dizendo que na maioria das vezes, a comunidade dos “crentes“ simplesmente não sabe dar à pergunta a resposta adequada pressionados pela “Lei” lida conforme seu código ético-psíquico-pessoal, ou, pela “bula institucional” da qual faz parte. Simplificando esta última, eu diria que a denominação é quem faz para esses “crentes“ a regra interpretativa da Palavra. Logo, o temor desse pessoal, não tem a Deus como foco, mas o temor está naquilo que o pessoal lá da igreja irá dizer de casos dessa natureza. O resultado é sempre como tenho visto até aqui: o pessoal do bem – os crentes – reagindo mal diante do dilema que, quer aceitem ou não, esta na nossa frente ao longo da história: a natureza humana pecaminosa que se manifesta todos os dias de diversas formas.

Ao reagirem mal ao problema, acabam por transformar a Igreja numa anomalia. A Igreja torna-se uma comunidade onde a vivência é falsa e a proclamação é mentirosa. Quero dizer com isso que na prática, o anúncio a todos os pecadores é de que o perdão é um dom gratuito de Deus e a salvação lhes é concedida por causa do mérito exclusivo do sacrifício de Jesus que é suficiente para salvar o pecador; logo a chamada é pela graça que cura a desgraça.  Aí então acontece o fenômeno do paradoxo. O camarada passa a fazer parte da igreja que lhe anunciou a Graça que o salvou do que ele é para descobrir que uma vez lá dentro, o que vale mesmo é outra coisa. O discurso muda quase que radicalmente para a Lei. Isso é: lá dentro, não se tolera mais que o pecador redimido manifeste a razão pela qual ele necessita permanentemente de um Salvador que o salve da incapacidade de salvar-se a si próprio. Um Salvador tão Grande que seja, inclusive, capaz de salvá-lo das reincidências do pecado do qual foi salvo..

Então, quase tudo o que se vê hoje, fica assim: a chamada é pela graça, mas, uma vez dentro, o que vale mesmo é a Lei e a intolerância. É assim que se tem interpretado o que Jesus disse à mulher de João 8: “Vá e não peques mais.”. Nasce aí uma nova lei: “Agora que ta aqui dentro, se pecar, as pedras cantam!” Ora, isso não é a verdade do evangelho. A verdade do evangelho é graça para entrar, graça para andar, graça para chegar ainda que quem percorra o caminho da graça oferecido por Jesus seja o mais fraco de todos. Não se começa com Cristo e se termina com Moisés. Não se entra pela graça e se sustenta pelo sacrifício de obras pessoais. Nem se inicia pela carência de um Salvador que salve o pecador para depois ser deixado ao próprio esforço para se auto-salvar. Coisa que seria impossível – e sei que você, meu santo irmão, sabe bem mais que muita gente – e, Jesus, desnecessário – o que significa negar a quem você confessa como salvador (coisa esquisita não?).

Não reconhecer que se necessita de um Grande Salvador, como também não oferecer o perdão todos os dias quantas forem as vezes necessárias àqueles que necessitam desse mesmo Salvador pelos mesmos motivos que você necessita, ainda que incomode, escandalize e revele que a igreja não é um “ambiente de perfeição”, isso pode até ser religião, espiritualidade idealizada por gente doente, mas nunca será o Evangelho de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. De jeito nenhum. É aqui que a Igreja precisa continuar oferecendo e mantendo a graça que nossas desgraças carecem. Se não for assim, não haverá como salvar corpo, alma-mente e espírito. Estaremos todos condenados às pedras da Lei e as destruições que elas causam a todo resto e nunca salva ninguém.

Agora preste atenção! Para que você, que ama a Jesus e a Verdade que o salvou e lhe concedeu paz exerça a esperança de dar a chance ao povo do nosso tempo a oportunidade de encontrar-se, de ver, e de experimentar o evangelho como fora em sua origem e curar-se das doenças diagnosticadas aqui, só há mesmo um caminho – ou um remédio como queira: Ver como Jesus, responder como Jesus, agir como Jesus e arcar com as implicações dessa decisão diante religião transformada, institucionalizada denominacionacionalizada e poderosa tal como as que Jesus enfrentou e não voltar a traz.

Eu lhe garanto meu irmão pregador e minha ovelhinha querida: isso sim exige mais coragem do você pensa. “Berrar” as “verdades” da instituição para o povo, isso é meninice e não pede coragem nenhuma; só é preciso de uma dose de ambição para subir os degraus da denominação.

Deus o abençoe com a cura da “graça” que desgraça e da falta de Graça que a desgraça clama.

Pr Paulo Rodrigues.

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